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Cadeirantes relatam dificuldades para ter acesso à vida social

 

No dia do seu aniversário de 32 anos, Daniele Alencar, cadeirante há oito anos, decidiu confraternizar com os amigos e familiares em um dos clubes aquáticos de Teresina. Era um domingo de outubro de sol intenso e ela sabia que a tentativa de chegar ao destino final exigiria especial determinação naquele dia. É que, aos fins de semana e feriados, o transporte acessível, destinado ao transporte de cadeirantes na Capital, não funciona, fazendo com que as pessoas com deficiência física recorram a transportes particulares, táxis ou ao ônibus coletivo convencional. Daniele escolheu a última opção e levou duas horas e meia para conseguir sair de sua casa, na zona Sudeste, e chegar à zona Leste para, enfim, comemorar seu dia. “Geralmente é assim, se a gente não tiver muita força de vontade, não vai”, constata.

A experiência da estudante de Serviço Social naquele dia dá um panorama do que vive uma grande parcela dos cadeirantes na capital do Piauí. Com restrição de mobilidade, a dependência pelo transporte acessível, que não funciona aos fins de semana e feriados, se torna uma barreira no acesso à vida social de forma mais ampla.

Pedro Igor, de 34 anos, também destaca a dificuldade. Cadeirante por decorrência de uma paralisia cerebral, ele diz que o transporte acessível, na verdade, poderia ser chamado de “transporte insensível”. “O transporte é o que mais atrapalha na hora de sair. Acho que o transporte acessível é um transporte insensível, só vive quebrando e não funciona sempre”, critica.

Avanços As muitas dificuldades são reais, mas alguns avanços importantes vêm sendo consolidados na oportunidade de sociabilização de cadeirantes. A acessibilidade das casas de shows, por exemplo, vem tomando contornos mais acessíveis dentro da realidade de Teresina.

Daniele diz que não deixa de ir aos grandes shows de sertanejo, forró e pagode que acontecem na cidade e conta com satisfação a confiança para participar dos momentos. “Temos nosso espaço garantido, o que dá um maior conforto e tranquilidade para quem é cadeirante. No meio da multidão, é muito difícil as pessoas respeitarem. Então sempre quando têm esses shows [com estrutura maior], eu tô dentro”, destaca.

O direito do espaço reservado é garantindo pelo art. 44 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), que diz que nos teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, locais de espetáculos e de conferências e similares, serão reservados espaços livres e assentos para a pessoa com deficiência, de acordo com a capacidade de lotação da edificação.

Pedro Igor diz que o transporte eficiente, na verdade, poderia ser chamado de "transporte ineficiente" (Foto: Jailson Soarees/ODIA)

 

Daniele sabe da importância de ter assegurado este direito e se manter participante desses espaços. A cadeira de rodas só faz parte da sua vida há oito anos, após ter sofrido um acidente de moto, quando ela, nas próprias palavras, diz ter reaprendido a viver. “Eu nunca imaginei que um dia poderia estar em uma cadeira de rodas, mas aconteceu e eu sempre digo para as pessoas que pode acontecer com todo mundo. Eu reaprendi a viver e por isso sei que o respeito tem de ser para todos”, constata.

Funcionamento do transporte eficiente aos fins de semana é restrito a dois eventos por mês

Por conta da dificuldade enfrentada pelos cadeirantes aos fins de semana e feriados, em que o transporte eficiente não funciona, foi acordado entre o órgão gestor do transporte, a Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito de Teresina (Strans) e a Associação dos Cadeirantes de Teresina (Ascamte) o funcionamento parcial dos veículos durante duas ocasiões a cada mês. Isso quer dizer que a Ascamte tem a possibilidade de escolher dois eventos em que aja a demanda de mais de cinco cadeirantes para solicitar o funcionamento do serviço durante a noite, geralmente, ocorrendo em grandes shows e eventos na Capital.

Há  meses, no entanto, em que os dois ofícios passam longe de ser suficientes. É o que explica Wilson Gomes, presidente da Ascamte, ao lembrar que em maio, em virtude de dois eventos solicitados por um número considerável de cadeirantes, o transporte não pode funcionar no Dia das Mães, por exemplo.

Wilson se questiona como os cadeirantes aproveitarão as festas juninas (Foto: Jailson Soares/ODIA)

“Até três anos atrás, o transporte eficiente podia ser demandado sem isso dos ofícios, mas depois de algumas entidades começaram a alegar que os carros estavam quebrando muito porque não paravam, então, houve essa redução. Têm meses que não dá, maio foi um deles. Tivemos dois eventos próximos no início do mês e agora estamos sem ter como pedir em nenhuma outra ocasião. No Dia das Mães, já estávamos sem ofício. E imagina em junho, nas festas juninas, como será?”, questiona já sabendo a desagradável experiência que responde a sua pergunta.

Diferente do transporte convencional, em que cadeirantes e pessoas com deficiência tem gratuidade, o valor da passagem do transporte eficiente é o mesmo do ônibus convencional, R$ 3,85.

Para Wilson, mesmo sendo um serviço pago, o modal continua a ser um grande empecilho para a sociabilidade dos cadeirantes, que, muitas vezes, não têm como arcar com transportes individuais. “O cadeirante quer viver como qualquer outra pessoa. Antes, nos shows, ficávamos no meio da multidão e agora temos nosso espaço reservado. Muita coisa melhorou, mas muita coisa tem que melhorar. Queremos a gratuidade do transporte e que ele funcione de forma ampla. Todo mundo quer viver”, destaca.

Passe Livre Cultura

O presidente da Ascante também comemora a efetivação do Passe Livre Cultura, benefício que dá acesso em shows e eventos culturais e esportivos as pessoas com deficiência no Piauí. O serviço existe há quatro anos.

O Passe Livre Cultura foi instituído através da lei de autoria da deputada estadual Rejane Dias que garante acesso a eventos esportivos e culturais para pessoas com deficiência com renda per capta familiar de até um salário mínimo.

A partir da divulgação do evento, a pessoa com deficiência pode ir ao local de venda solicitar o ingresso até 24h de antecedência e, nos cinemas, até uma hora para garantir o acesso gratuito. Nos shows, são destinados 2% da capacidade do evento para PCDs – regulamentado pelo decreto federal 5294/94.

 

Ministério Público move ação judicial contra Strans pela garantia do transporte acessível

A promotora titular da 28ª Promotoria de Justiça, Marlúcia Evaristo, lembra que o lazer é um direito constitucionalmente garantido e, por isso, deve ser usufruído por toda população. O destaque, diante do cenário de dificuldades que contornam a efetivação deste direito para pessoas com deficiência física em Teresina, em especial os cadeirantes, é mais que necessário.

“Nós, enquanto Ministério Público, trabalhamos para que a pessoa com deficiência tenha esse acesso ao lazer. Nós fiscalizamos a efetivação do passe livre-cultura, fiscalizamos a acessibilidade de casas de shows e eventos que são montados, a exemplo da Micarina, e, no caso do transporte eficiente, temos uma ação judicial que já foi movida contra a Strans”, destaca.

Segundo a promotora, o não funcionamento do modal faz com as pessoas com deficiência estejam “quase impedidas de sair de casa”, alerta, ao lembrar que não existe de forma plena acessibilidade nas ruas e calçadas e também falha a acessibilidade no transporte coletivo urbano.

“O transporte eficiente que deveria garantir o transporte de porta a porta é feito de forma precária, as pessoas não têm acesso a ele aos finais de semana. A gente discorda disso, o transporte eficiente é modal de transporte coletivo urbano, tem que funcionar initerruptamente, por isso, entramos com medida judicial e aguardamos que o juiz conceda antecipação de tutela que nós pedimos”, afirma.

Além disso, a promotora também explica que discute na ação a necessidade da gratuidade do transporte. Ambas as ações aguardam a apreciação da justiça.

 

Frota de 14 micro-ônibus atende cadeirantes em Teresina

O funcionamento do transporte eficiente está previsto na Lei 4008/2010, que tem o objetivo de transportar pessoas com deficiência para atividades de lazer, saúde, para escolas e trabalho, além de outros lugares que necessitem. O serviço é feito de porta a porta e precisa que o usuário faça um agendamento com 24h de antecedência, ligando para o telefone 0800 086 3122. Existem, atualmente, 14 carros em circulação nas cinco zonas da cidade e, segundo a Strans, estão em processo de licitação cinco novos veículos. Atualmente, existem 2.300 pessoas cadastradas no transporte eficiente.

Funcionamento

O processo de solicitação para utilização do serviço deve ser iniciado no Centro de Referência da Assistência Social (Cras), unidade vinculada à Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi). 

A pessoa que irá solicitar vai precisar de cópia do RG, do CPF, do laudo médico (Semcaspi avalia o laudo) e do comprovante de residência para que seja realizado um cadastro. O benefício é concedido após análise da Strans. Cada usuário tem direito a um acompanhante e, em cada transporte, cabem seis cadeirantes, dependendo do veículo.

Contraponto

Em nota, a Strans explica que não há previsão de lei para executar o funcionamento do transporte eficiente aos fins de semana e feriados. “O horário do funcionamento do transporte é de segunda a sábado até às 23h. Na lei não está previsto o transporte aos domingos, mas a Strans, para ser mais flexível, concede dois veículos para situações específicas como concursos e shows”, destaca.

Segundo o órgão, se utilizam do transporte para fins de saúde cerca de 20% dos usuários, 20% a lazer, 20% a outros tipos de deslocamentos e 25% a escola, 5% a trabalho, 10% a tratamento particular (como ir ao banco).

 

Jornal O Dia

Mateus Vital

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