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ANTÍDOTO AO MATERIALISMO. Por; Rogério Newton

Foto: reprodução PMO

 Foto: reprodução PMO

Vi no Facebook que o prefeito de Oeiras anunciou obras de iluminação a led na cidade e a construção de um centro de zoonoses. As duas notícias foram apresentadas como grandes feitos da administração. Não contesto que tais obras tenham importância utilitária. O que me interessa neste artigo é vislumbrar o que existe além da aparência das duas notícias e gostaria de fazer isso começando pelo viés ideológico.

Em primeiro lugar, lembro que, segundo o sociólogo Pedrinho A. Guareschi, a palavra ideologia pode significar: a) estudo de ideias; b) conjunto de ideias, valores, maneiras de pensar de pessoas e grupos; c) ideias erradas, falsas, distorcidas sobre a realidade.

É fascinante pensar como as ideias são construídas e assimiladas por nós, muitas vezes de forma inconsciente. Começamos a introjetar ideias dentro do universo familiar. Depois absorvemos ideias na rua, na escola, na igreja etc. Aí começamos a fazer avaliações do mundo, das pessoas, de nós.

É muito curioso isso porque podemos fazer tais avaliações com suporte em ideias incompletas, distorcidas, falsas ou em ideias e formas de pensar de grupos. E também podemos fazer avaliações baseadas em modos de pensar calcados na sabedoria, no conhecimento, na retidão. Seja como for, estamos sujeitos a riscos e potências com as ideias. Elas vão determinar ou pelo menos influenciar poderosamente nossas ações e nosso destino. Daí o enunciado do conhecido provérbio:

“Cuidado com seus pensamentos, pois eles se tornam palavras.

Cuidado com suas palavras, pois elas se tornam ações.

Cuidado com suas ações, pois elas se tornam hábitos.

Cuidado com seus hábitos, pois eles se tornam o seu caráter.

E cuidado com seu caráter, pois ele se torna o seu destino.”

No caso das duas notícias sobre as obras do prefeito, elas carregam e são movidas pelos pensamentos de que trabalhar duro e construir obras são a chave mestra para se aferir a qualidade de uma gestão pública. Trabalho e dinamismo são qualidades valiosas de um gestor. Se este imprime à sua gestão os carimbos do trabalho e dinamismo construtor, isso significa sucesso e aceitação pelo senso comum. Se houver pesquisa de intenções de votos, muito provavelmente o gestor subirá alguns pontos de aprovação.

Há pelo menos três possibilidades de se classificar tais ideias: a de que encerram valores e modos de pensar, provavelmente hegemônicos, ou que são ideias distorcidas, ou pelo menos questionáveis. Há também a possibilidade, mas não a probabilidade, de que sejam ideias certas e até mesmo sábias.

De qualquer maneira, é preciso espírito crítico para se compreender o sentido das ideias que existem por trás das ações. Se houver aquiescência pura e simples, dizer amém sem reflexão, isso foge ao exercício da crítica, qualidade importante na vida pública (e privada). Se, ao contrário, as ideias subjacentes são vislumbradas e submetidas ao crivo da racionalidade, que coloca em xeque o senso comum e os julgamentos apressados, rasos e emocionais, essa tarefa significa uso da razão e exercício da capacidade analítica para compreensão da realidade.

O que é mais desejável? Aceitar sem pestanejar, ficar indiferente ou pensar, refletir, ponderar para compreender se ações e ideias que as sustentam são adequadas ou não?

Como “a mente mente”, embora também, às vezes, acerte, convém ser cauteloso ao apreciar ideias e ações, sobretudo se estas são públicas e praticadas no âmbito da gestão política, atividade cada vez mais questionada no Brasil.

Assim, vamos apreciar um pouco a primeira ideia, isto é, o dinamismo-trabalho, quase sempre considerado louvável. Entretanto, pode ser “mise en scene”. O dinamismo só será válido se se move na direção correta. E o trabalho só é apreciável se tem sentido altruísta, e não egóico.

Já a construção de obras como significado, por si só, de progresso, é uma ideia questionável desde os primeiros tempos da Revolução Industrial. Progresso material, quantitativo, nem sempre é sinal de evolução. É preciso perquirir, por exemplo, para onde estamos caminhando enquanto cidade.

Se o construir está em equilíbrio com o destruir, é uma boa equação. O problema é que, em Oeiras, esta equação não é bem resolvida. Vamos bater na tecla aqui da destruição das áreas verdes pelos loteamentos caça-níqueis licenciados pela prefeitura; da expansão da cidade, sem observância dos critérios urbanísticos consolidados; da falta de praças e áreas de convivência comum nos bairros novos que vão surgindo; da triste situação do Riacho Mocha na área urbana, que virou esgoto imundo e deprimente; da falta de plano de arborização para a cidade; da carência de áreas verdes públicas.

Sabe-se que o prefeito criou, em 2019, o Parque Municipal Natural do Riacho Mocha, que só existe no papel. Que pensamento originou esta ação? Há incrível trabalho-dinamismo e projetos para umas coisas e para outras não.

Reconheço que ser gestor público é uma das tarefas mais difíceis. Há muitos mal-entendidos, armadilhas e ciladas na esfera político-partidária. Há pensamentos distorcidos que se transformam em ações, sem falar nas ideias erradas deixadas por herança, para as quais é necessária muita força de vontade e método para se libertar. São essas ideias e modos de pensar e sentir que criam o pragmatismo político, quase sempre nefasto e cheio de vícios.

Não sei se o leitor e a leitora sabem, mas existe hoje no Brasil e no mundo uma intensa discussão nos meios esclarecidos sobre o que é uma cidade. São obras? Artefatos? Uma cidade só existe enquanto materialidade do que é visível ou o que lhe dá vida e equilíbrio dinâmico são sobretudo os valores imateriais? Há “cidades inteligentes”, “cidades para as pessoas”; cidades inventadas em narrativas...

Como Oeiras nunca deixará de ser poética, apesar de tudo que fazemos com ela, concluo este texto com versos do poeta americano Walt Whitman, antídoto ao materialismo mecanicista que grassa na cidade:

“O que é conhecido eu deixo de lado:

chamo todos os homens e mulheres

para a frente comigo

rumo ao Desconhecido.”

 

*Rogério Newton é defensor público aposentado, cronista, escritor e ambientalista

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