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Matriz cultural. Por; Carlos Rubem

Foto: Divulgação

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Uma boa leitura nos remete ao etéreo, prazer indizível, principalmente quando o autor descreve cenários conhecidos, a vida sublinhada das personagens, o linguajar matuto da nossa gente, as futricas cotidianas.

Neste domingo de nuvens prometedoras de chuvas (11.12.2022), terminei a releitura de “Malhadinha”, obra prima do escritor José Expedito Rêgo (1928 - 2000), que o Brasil um dia há de reverenciá-la com rigor analítico.

O enredo se passa na segunda metade do século IXX, na velha Oeiras decadente, danoso efeito da mudança da Capital para Teresina (1852).

Malhadinha era, na verdade, uma antiga fazenda pertence à aristocrática família Ferreira de Carvalho, da qual o autor é descendente.

No imaginário artístico, nela habitam, além dos escravos, pobres moradores outros, os seus proprietários Noé e Pedro, irmãos, que a herdaram do seu comum pai.

O Seu Pedro, viúvo, tem dois filhos: Nelson e Sérgio. Primeiro formou-se em medicina no Rio de Janeiro, abriu consultório em Oeiras. O outro, sacerdote, tornou-se professor no Convento das Mercês, em São Luís.

A Dona Maria Ferreira, movida a preconceito, muito religiosa, é a esposa do Seu Noé. O casal houve o Hélio, que não quis estudar, ficou tomando de conta dos haveres familiares; a Rosa, casou-se com o Nelson, matrimônio ajeitado, enlouqueceu; a Marcela e o Sérgio muito se amavam na adolescência;a Nair, a caçula, de ruivos cabelos.

A figura do Dr. Nelson retrata, com muito brilho criativo, o Dr. Manoel Rodrigues, médico caritativo da cidade. O seu perfil psicológico é o alterego do autor com o seu declarado ateísmo.

A vida do famoso Padre Leopoldo Damasceno Ferreira, poeta, patrono da Cadeira n° 21, da Academia Piauiense de Letra - APL (1857 - 1906) serviu de âncora para a concepção da personagem Sérgio.

Morando na quinta Barreiro, pouco distante da área urbana, o Nelson mantinha arrebatado caso amoroso com a prima Raquel — sempre as primas! Os fundos da casa de sua amante margeava o Riacho Mocha. Os encontros lascivos se davam à sombra de um frondoso juazeiro. 

O negro Bedelho, desconfiado das saídas costumeiras do patrão no final das tardes calorentas, descobriu o ninho de amor, mas guardou segredo. Se batesse com os dentes, seria morto, na certa.

Na trama, aparece o João da Mata, irmão de Siá Maria, doido enjaulado, que passa o tempo todo a fazer gaiolas de talo de buriti e outros engenhos. 

Também surge o José de Júlia, homossexual, que, ao sorrir, leva a mão à boca, igualzinho como fazia o insuperável Zé de Helena, de memória imperecível. Na literatura piauiense esta temática é pela vez primeira abordada.

Paro por aqui com as perfunctórias referências da aludida obra concitando a todos a se embrenharem em sua instigante leitura.

Depois de mais de 30 anos da sua primeira e acanhada edição, a segunda — sob os auspícios da APL em parceria com o Instituto Histórico de Oeiras - IHO —, “Malhadinha” será lançada no dia 17 de dezembro vindouro (2022), às 20h, no Centro Cultural Major Selemérico, aqui.

O livro faz parte da Coleção Centenário da APL, cuja revisão é sofrível. A capa da nova edição estampa a reconstituição daquela fazenda, destacando a capela que lá existia, imagem plasmada pelo aquarelista e arquiteto Sóter Carreiro, conterrâneo adotivo.

Todo oeirense tem a obrigação moral de ler “Malhadinha”, obra reveladora da nossa matriz cultural.

 

*Carlos Rubem é Promotor de Justiça aposentado em Oeiras

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